quinta-feira, 22 de setembro de 2011

J. D. Salinger “ Para Esmé com amor e sordidez







1 – Contextualização:

            O propósito é fazer uma leitura crítica  acerca do conto “ Para Esmé com amor e sordidez” do escritor americano J. D. Salinger.
            Escrito a partir da experiência do escritor na II Grande Guerra, relata a historia de um soldado  e a vivência, isolamento, rotina, relacionamento e como um encontro com uma garota mudou a sua vida, o seu destino.
            Através deste encontro, ele soube o que é atenção, carinho, amor, fatores imprescindíveis para que ele saísse do marasmo, do estado de depressão, letargia  e indiferença causados pelo horrores da Guerra.
            A história se passa em uma época em que os Estados Unidos tinham se tornado uma superpotência e passado de simples colônia para um importantíssimo aliado da Inglaterra e dos países ocidentais no combate ao nazismo e ao fascismo (oriente e ocidente), os Estados Unidos tinham sido atacados pelo Japão que tentava ampliar seus domínios/fronteiras alvejando a base da marinha norte-americana na ilha de Pearl Harbor.
            O conto reflete e marca uma nova visão, uma nova forma de  abordagem do assunto (a guerra, a sociedade), esta nova maneira de reflexão e de exposição através da literatura foi chamada pelo próprio Salinger de “esqualidez”, segundo Bradbury (1991:139):

O naturalismo de agora era privado de conscientização idelógica e preferia pintar um mundo em trágica confusão , ou no que J.D. Salinger chamaria de “ esqualidez”, de proporções tão vastas que ficava fora do alcance de qualquer explicação.
                       
            Esqualidez, segundo o dicionário Aurélio: indigno , vergonhoso, obsceno, repugnante e etc. E Bradbury (1991 : 142) acrescenta a respeito da Guerra e a maneira que isso afetou  a vida e a obra dos escritores:

..não de surpreender que alguns dos melhores dos novos escritores fossem aqueles que tinham razões para considerarem-se sobreviventes e vítimas da guerra e do holocausto, e aqueles cuja inteira herança intelectual fora transformada pelos acontecimentos de 1941-5.

            É este momento,quando as pessoas têm seu destino afetados pela Guerra, impedindo-os de levar uma vida tranqüila e atingir seus objetivos que transcorre o conto, vidas alienadas, solitárias e inseguras materializadas na figura de um soldado norte-americano, mergulhado no horror e inferno da guerra e resgatado por uma garota através da sua astúcia, carinho, determinação, amor e solidariedade.

2 . Análise do Conto
Um soldado americano está em um campo de treinamento na Inglaterra e, após três semanas, quando estava prestes a retornar , dando uma volta pelo vilarejo ele observa umas crianças cantando no coral da igreja, dentre todas, a voz de uma criança se destacou , “ Sua voz destacava-se claramente dos demais... era a que mais soava mais doce, a mais firme e automaticamente liderava as outras vozes”.
            Esta mesma garota o surpreenderá com esta firmeza e liderança em  uma breve conversa em um café minutos depois, “ Só vim até sua mesa porque achei que você parecia extremamente solitário. Você tem um rosto muito sensível”
            A garota de apenas 13 anos, se comporta de forma adulta, com uma sensibilidade e postura que surpreende o soldado, e também a forma com que protege/controla seu irmão (mais novo), passa uma idéia de segurança, ordem, diante do marasmo e solidão representados na vida do soldado. Sobre o grupo de soldados com quem  faz treinamento,  ele diz : “ não havia um único sujeito capaz de fazer camaradagem com facilidade”, não seria este um traço típico não apenas do grupo de soldados mas, que na verdade poderia refletir toda a sociedade americana, preocupados com  a corrida armamentista, bem como o consumismo e sua superficialidade, tudo isso, em detrimento da família, do amor, das amizades? E  ele complementa,“cada qual tratava de seguir seu próprio caminho”. E ele também seguia seu próprio caminho de egoísmo e indiferença até a garota se dirigir à sua mesa no café.
            Diante desta vida solitária, em contato com outra cultura, ele um adulto, porém demonstra e reconhece sua  inexperiência acerca de miséria e sofrimento, ou mais precisamente sobre os horrores da guerra e da vida, ao que a garota cujos pais morreram na guerra os tem, e assim responde ao ser questionado por ela:  “Respondi que, a bem dizer,não tinha experiência própria do assunto”. Ao lidar com uma situação sui generis, sentir de perto os percalços da vida, deixa-se levar e ficar impressionado com a habilidade, inteligência, articulação   e desinibição de uma garota, a qual, demonstra segurança e experiência de vida.
Quando ele fala que escreve mas que nunca publicou seus livros, ela afirma que ele deve insistir em publicá-los e sugere:”Eu ficaria muito grata se algum dia escrevesse um conto para mim”, e sugere “Eu prefiro estória sobre sordidez e sofrimento”, ele não se dá conta de como esse encontro, essa atitude de alguém que lhe pareceria tão criança poderá mudar todo o seu futuro.
            E na hora da despedida, sentimos expressa a solidão, a marca que ficou em alguém taciturno, desprovido de atenção e carinho que de repente teve tudo isso de maneira tão breve e tão intensa “levantei-me da cadeira com um  misto de pesar e confusão”.
            Mas a garota com sua sensibilidade e maturidade aguçadas e também experiência, já que vive neste ambiente de guerra e teve a família dilacerada por ela “espero que você saia da guerra com suas faculdades mentais intactas” e ela será o fator preponderante para que isto ocorra.
Como Esmé previa, a guerra afetou profundamente a vida do soldado,  “ um jovem que não saíra da guerra com todas as faculdades mentais intactas”, “não conseguia enfiar papel na máquina de tanto que seus dedos tremiam”, e não foi apenas os horrores da guerra(mortes, bombardeio e etc.) mas a insegurança, a falta de atenção, de amor e de reconhecimento da situação em que se encontrava  pela própria  família e sociedade.
 Doente, sem dormir, sem se alimentar direito e vivendo sob  bombardeios ele sente agora o que é miséria e sofrimento, mas nenhuma guerra é tão cruel quanto a falta de carinho, amor e atenção, “Pais e mestres eu pergunto, o que é o inferno: Sustento que é a dor de não poder amar”.
Esta dor ele sente na indiferença da própria família, como se a própria nação norte-americana fosse um mundo isolado e a parte de tudo, estavam mais preocupados com o consumismo, aparência, superficialidade, observamos esse fato no pedido da família ao soldado “ agora que a droga da guerra acabou e você provavelmente tem tempo de sobra por aí, que tal mandar para os garotos umas baionetas ou umas suásticas...”.
Do inferno para o céu, esse é o que ele passa a sentir quando finalmente recebe a carta de Esmé, quando se sente acolhido, lembrado e amado, quando alguém finalmente se preocupou com verdadeiro bem estar , “ passamos juntos no dia 30 de abril de 1944, entre 3:45 e 4:15, caso você tenha esquecido”, tais palavras/detalhes , denotam carinho e atenção para alguém que se achava alijado de tudo isso.
Ela continua, “Charles e eu estamos ambos preocupados com você”, além das palavras de carinho e preocupação com o soldado/autor, ela envia também o tão estimado relógio “ você o aceitará como um talismã de boa sorte”, estes atos de extrema grandeza e ingenuidade em se tratando de uma criança, mas de extrema sensibilidade e inteligência, revelando-se atos de uma criança muito especial,  produziram/resgataram  uma sensação até então perdida, alguém que o conheceu por tão pouco tempo demonstrar tanto carinho, preocupação, afeto e ao mesmo tempo uma grande inocência, mas algo verdadeiro, algo que resgata  a vontade de viver, de superar esse desequilíbrio, essa fraqueza/disânimo, essa doença (indiferença com a vida), para alguém que não conseguia dormir, com este ato ele encontrou a paz , no corpo e no espírito, o prazer pela vida e pelas pessoas foi retomado, essa atenção o atingiu profundamente , “ Esmé e você verá que ele tem sempre alguma chance de se tornar outra vez um homem com todas as ....”
Esmé o trouxe de volta à vida, porém, a mesma vida de antes, mesmo se tornando um escritor( também em atenção ao pedido que ela lhe tinha feito), a sociedade permaneceu a mesma , sua superficialidade, sua hipocrisia, e o soldado/autor nela inserida , “ acontece que eu queria muito ir a esse casamento ....e nos decidimos contra a idéia”, ora ele poderia ter ido ao casamento de Esmé, mas não foi porque não quis, isto demonstra seu comodismo diante desta sociedade que por ele é criticada, neste momento tal fato  fica evidente que dela ele também faz parte e as vezes é conivente.

3 - Conclusão

O amor aqui representado nas formas de carinho, atenção e oriundo de um caminho verdadeiro, autêntico através de uma criança foi o fator transformador para tirar, resgatar o soldado a uma vida onde as suas faculdades mentais pudessem estar normais, ou seja, onde pudesse viver a vida como ela deve ser com esperança, empenho, carinho e respeito pelo semelhante.
Tal situação lembra o poema “ O Amor “ de Maiakowski, no qual ele exalta valores comuns na vida do cidadão que nem sempre são respeitados ou vividos de forma digna, valores que evocam a família como centro do bem estar, da paz, da vida. Ainda segundo o poeta, a guerra e a servidão como fatores de destruição de uma vida sadia e plena de paz e amor, valores que Esmé mostrou ao soldado. Abaixo segue trecho do poema adaptado por Caetano Veloso para um musical:


Ressuscita-me
Ainda que mais não seja
Por que sou poeta
E ansiava o futuro

Ressuscita-me
Lutando contra as misérias
Do cotidiano
Ressuscita-me por isso
Ressuscita-me
Quero acabar de viver o que me cabe
Minha vida
Para que não mais existam
Amores servis
Ressuscita-me
Para que ninguém mais tenha
De sacrificar-se
Por uma casa, um buraco
Ressuscita-me
Para que a partir de hoje
A partir de hoje
A família se transforme
E o pai seja pelo menos o universo
E a mãe seja no mínimo a Terra
A Terra, a Terra

Esses valores( a própria vida, família, lar ) perdidos ou que talvez nunca os tenha tido, e alcançados/retomados  pelo soldado através da garota, talvez , pudessem ter sido encontrados no seio da família, na preocupação, na busca de notícias, na mínima demonstração de interesse e atenção,  não na alienação e indiferença.
 Esta” família” representada por Esmé, que mesmo sendo tão jovem, revela experiência, sabedoria e um incrível amadurecimento, detalhes percebidos pelos seus gestos e palavras, e com gestos tão puros e verdadeiros foram capazes de mudar a vida de alguém esquecido pelo mundo/família.
As vezes não damos importância a gestos simples, como um cumprimento ou telefonema, sermos sinceros com as amizades e respeitar o sentimento das pessoas , retribuir, estar do lado, são gestos que fazem diferença independentemente do lugar ou época, pois, a vida para ser vivida em sociedade, em harmonia, com nossa família, nossa comunidade, o respeito, a valorização das relações são fundamentais para o bem estar da carne e do espírito.
Como escreveu o escritor francês Georges Perec, “ a vida nos dá tudo isso e convém a nós, dizer sim a ela , à vida”, a indiferença, o isolamento não nos leva a nada, um simples gesto, seja de carinho ou atenção poderá muita na nossa vida, como foi na vida do soldado.

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